A entrevista da revista Amnahã, abaixo, devidamente, copiada e colada pode ser a anunciação um capitalismo pós tapeação. Pós publicitários "geniais", pós mercado finanaceiro, onde o lucro alto sobrepunha perguntas básicas em relação aos meios de produção: de onde vem o dinheiro? Quem tem tamanha lucratividade?Ainda capitalista, com mais valia e etc. mas traz conceitos interessantes sobre para a humanização das atuais relações entre empresa e consumidor, e muito sobre o mundo corporativo.
Entrevista
A única saída é a cooperação
José Carlos Teixeira Moreira, criador da Escola de Marketing Industrial, critica práticas arraigadas na relação entre empresas - como esganar fornecedores para baixar custos
Por: Eugênio Esber / Redação de AMANHÃ
O engenheiro mecânico que virou referência em marketing industrial gosta de provocar e de ser provocado. Uma amostra das percepções de José Carlos Teixeira Moreira, editor da revista Marketing Industrial e autor de um livro sobre o tema, está nesta entrevista em que, por exemplo, rechaça o mantra de que o cliente é quem manda.
Você afirma que muitas empresas não sabem expor, de forma clara e articulada, o que querem, mas são mestras em "sugerir inconscientemente". Como se expressa o inconsciente de uma empresa?
Há quase um fosso entre o que as empresas anunciam, pelas ferramentas convencionais de comunicação, e os sinais que elas efetivamente emitem, em gestos e sutilezas, na relação com clientes, colaboradores ou fornecedores... Você consegue sacar nas entrelinhas. Há empresas, por exemplo, que proclamam existir por você, para você, mas você vai lá e fica esperando um tempão, submete-se a trâmites burocráticos e percebe que tudo ali gira em torno do interesse da companhia, não do seu. Como dizem os psicanalistas, são pequenos sinais do inconsciente que têm certa lógica - atos falhos, chistes, aquelas brincadeirinhas carregadas de significado...
São dois mundos tão diferentes?
São diferentes, e até mesmo o leigo percebe. E esse fosso provoca um mal-estar. É por isso que impera, na relação entre empresas, e entre elas e seus clientes, a ética da desconfiança. Isso me lembra um episódio tempos atrás. Um publicitário famoso, ao participar de uma reunião que a gente teve aqui, nos disse o seguinte: "A propaganda, a comunicação que a gente faz, é para seduzir as pessoas, e para seduzir eu não posso contar a verdade". Veja só que coisa complicada...
De onde vem, exatamente, a voz do inconsciente corporativo?
Vem do inconsciente das pessoas que tocam o negócio. São todos os profissionais-chave de uma empresa, aqueles que tocam o produto ou falam com o cliente. Isso corresponde a cerca de 80% das pessoas de uma empresa, já que os demais são o chamado back-office, que não têm contato nem com o produto, nem com o cliente. Esses 80% expressam o inconsciente da empresa. Porque empresas não existem. Existem grupos de pessoas que, em certo momento histórico, atuam com algum compromisso. A relação é pessoa-pessoa.
Aprender a decodificar esses sinais sutis emitidos pelo cliente é uma questão de capacitação ou de sensibilidade?
A sensibilidade é fundamental em tudo o que a gente faz. Lamentavelmente, nossas escolas - inclusive de marketing - só nos formam em habilidades. Isso vem desde a escola. No primeiro grau, nossos filhos aprendem tudo sobre a flor - mas não aprendem a contemplar uma flor. Um profissional de marketing que der mais chances para sua sensibilidade entenderá melhor o que estou dizendo. Agora, como fazer isso, é uma questão vasta, as pessoas são muito diferentes. Há aquelas que são mais Apolo - totalmente lógicas, pouco autônomas, que se sentem muito bem se você der a elas um check-list do que fazer, e há outras que são mais Dionísio, prezando a liberdade e a autonomia. Mas, em geral, poucas pessoas conseguem expressar, de modo articulado, o que realmente querem. Normalmente, o corpo expressa o que a gente quer muito antes da fala. Pelos gestos, posturas, olhares... A dificuldade de entender o que o outro quer tem a ver com o fato de que nossa cultura dá muita ênfase à fala. Os orientais, por causa dos ideogramas, visualizam melhor esses sinais.
As empresas exageram ao apostar tanto em pesquisas de mercado?
Não. E até até podem fazer mais. Pesquisa não se faz uma vez. Você vive em estado de pesquisa. O problema é que houve uma obsessão por sistemas quantitativos. Tudo tem de ser medido, reduzido a um número, um algoritmo... E as relações humanas vão além da matemática. Procura ficar 45% satisfeito, e me diz como é. Veja que maluquice, isso. Pesquisas são essenciais, mas seguem caminhos viciados por métricas quantitativas. E essas métricas devem ser aplicadas apenas a problemas simples, aqueles que um especialista vai lá e resolve. Agora, problemas complexos, para os quais ninguém é capaz de achar, sozinho, uma saída, e que envolvem uma coligação de interesses, esses devem ser investigados por meio de evidências, não de números.
Por que você sustenta que o cliente só sabe falar do que não gosta e do que não quer?
As contrariedades são tão marcantes para nós que elas dão mais Ibope. Somos muito focados nelas. Por isso, a grande maioria das pesquisas que você vê por aí levantam as contrariedades das pessoas, não as necessidades. Você tenta minimizar as contrariedades na expectativa de ganhar, dessa forma, a preferência do cliente. As necessidades mais profundas só são expressadas por pessoas que têm alto nível de autoconhecimento. É um atributo raro. Eu, mesmo, que tenho 60 anos, desde os 18 me esforço para me conhecer melhor.
Você afirma que, ao discorrer sobre o que quer, o cliente filtra, sem se dar conta, as possibilidades de inovação para se proteger. Do que ele se protege?
Bem, você há de convir que, num ambiente onde impera a desconfiança, eu não sei se devo ficar me abrindo para você. É o empreendedorismo defensivo se manifestando. E isso se agrava porque algumas companhias, na tentativa de se aproximar da realidade, falsearam relações. Por exemplo: surpreendem o cliente com informações que reúnem sobre ele e que invadem a vida dele. Quantas vezes alguém se aproxima de você com interesses que não são bem claros? Ou lhe procuram para fazer networking? E a gente é no mínimo cuidadoso. Então eu acho que é uma reação do cliente. Ele filtra as informações que dá. Filtra para se proteger.
Como chegar perto do cliente sem colocá-lo na defensiva?
Pela cooperação. Aqui, na Escola de Marketing Industrial, nós trabalhamos com o cliente, olhando o mundo na perspectiva deles. Por isso defendemos o conceito de foco do cliente e não o de foco no cliente. O caminho não é olhar para o cliente, e sim se colocar do lado dele, não abrir a boca, apenas contemplar o que ele está vivendo. Aí, com meio neurônio, você saca o que seria importante para ele, muito antes ele pedir. Aí está a inovação.
O que é o "lucro merecido" defendido em seus artigos?
Lucro merecido é ganhar o jogo chutando a bola e não chutando a canela dos outros. Tem um conceito cabalístico de que eu gosto muito. A cabala, que é o livro da sabedoria judaica, diz que há dois tipos de dinheiro. Um deles é aquele que, para você ganhar, alguém à sua volta terá de perder. O processo de geração desse dinheiro é poluente. Preda o ambiente, o funcionário, a sociedade. É o que eu chamo de lucro por tapeação, e é o que provocou toda esta crise que nós estamos vendo agora, ao redor do mundo. Mas a cabala também fala em dinheiro limpo. É aquele que, para eu ganhar, todos ganham. O lucro merecido é a justa paga que a sociedade dá para algo de bom que você faz por ela. O lucro merecido é a coisa mais consistente com a razão de uma empresa, porque quando você abre uma companhia o primeiro documento que você assina se chama "contrato social". Não é sociedade eu com você. É a Sociedade com s maiúsculo, permitindo que você eu mantenhamos uma empresa porque, através dela, a Sociedade será melhor do que era antes.
Você sugere que a relação entre empresas siga a diretriz da "geração compartilhada de riquezas". Mas, na prática, toda empresa tenta baixar custos pressionando seus fornecedores...
De fato, infelizmente, a maioria das áreas de suprimento das companhias tem um só objetivo: comprar mais barato. Nesse sentido, o valor percebido se reduz a preço. Então o empobrecimento se dá em cadeia. O cara que compra não tem a menor idéia do impacto que aquilo terá no valor percebido do produto final dele... E ainda diz que isso não é é problema dele, que ele é só da área de custos... E, pior, ele é premiado no sistema de gestão da casa exatamente pelo preço que ele paga. É um grande erro. Enviar carta mandando os fornecedores baixar o preço em 20% não vai ter resultado algum. A não ser provocar uma briga com os fornecedores... Melhor é chamar os fornecedores e dizer: "Diante de um quadro destes, que idéias nós podemos ter, juntos, para melhorar a eficiência operacional? Porque eficiência operacional é algo muito maior do que comprar barato. Eu posso comprar barato e ter custos ocultos que tornam meu preço muito alto apesar de eu ter explorado o meu fornecedor. É uma estratégia burra.
Seus artigos combatem o princípio de que "o cliente é quem manda" e sustentam que não é honesto transferir para o cliente uma decisão que ele não está seguro para tomar sobre o que é melhor para sua vida. Esse ponto de vista não equivale a subestimar o cliente e tutelá-lo?
Eu não entendo nada de medicina. O que eu sei é que posso eventualmente não estar bem em determinado momento. Mas imagina que eu vá ao médico e ele me pergunte o que deve fazer... O médico levar em conta a opinião de um leigo, como um dado definitivo para um tratamento, é no mínimo antiético. O paciente pode morrer. O mesmo vale para engenheiros, para todos os experts que adquiriram a competência para prestar um serviço. Eles não podem fugir à responsabilidade. Isso de dizer que o cliente é nosso patrão estava pendurado nas paredes quando eu comecei, nos anos 70, na área de marketing da indústria automobilística. Mas é algo mentiroso. Curiosamente, na época, já na Inglaterra não era assim. Lá se dizia que a relação com o cliente era uma aliança, "partnership"! Na minha opinião, os clientes são coautores da proposta que a gente faz a eles, mas não são patrões.
A crise tende a elevar a pressão sobre as equipes de vendas e a instalar uma obsessão por resultados de curto prazo. O que as empresas têm a perder com isso?
Têm tudo a perder. Porque o aqui-e-agora foi o que levou ao que aconteceu na economia mundial. Esses investimentos em derivativos são apenas uma ponta do iceberg. Foram apostas altas demais no curto prazo. Mais ou menos como pensar que é possível plantar uma jaboticabeira e ela dar frutos amanhã...Não existe nada na vida que, no curto prazo, possa dar grandes resultados. A não ser salvar-se de um incêndio... Tudo requer um processo.
Qual a saída, então?
Vejo muitas empresas que, embora vendendo menos, continuam com uma base de clientes leais de primeira grandeza... Quase não se vê sala de hotel disponível porque as empresas estão reunidas com seus clientes em torno de uma mesma agenda: como podemos enfrentar isso, fazer desse limão uma limonada? As ações de curto prazo são muito válidas se forem voltadas para o exercício da cooperação na busca de soluções, em vez de apenas encarregar a área de vendas com missões do tipo "vai lá, bate na porta e vende". Não é assim que funciona.
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